Em recente entrevista concedida à Revista Exame, Nuno Lopes, Presidente da Visa no Brasil, afirmou que a “Visa quer o fim do cartão de crédito físico e prevê “tokenização de tudo”.
Nesse sentido, desde nossa primeira colunaaqui na revista perfil, temos destacado que a criação pelo Banco Central do Brasil do projeto piloto do Real Digital, que inclui uma versão tokenizada da nossa própria moeda, certamente indica que nenhum empreendedor que planeje sobreviver no mundo digital, ao menos no médio prazo, poderá evitar a tokenização de seus produtos.
Isso porque a tokenização de bens é o primeiro passo para tornar possível a negociação de um produto ou serviço tanto no mercado nacional quanto internacional a custos de transação muito menores dos presentes no comércio eletrônico tradicional.
Primeiro passo, porque não basta apenas tokenizar um produto para obter redução dos custos de transação, é preciso saber como negociá-los de modo automatizado mediante correto uso dos smartcontracts.
Dito isso, além do uso correto da tecnologia envolvida, algo que tem preocupado muitos empreendedores que já estão se adiantando nesse processo de tokenização, para obtenção de vantagens competitivas, é como conseguir uma assessoria jurídica adequada.
Com efeito, primeiro os carros foram inventados, depois as leis de trânsito!
Com base nas leis existentes, podemos elencar três preocupações iniciais.
A primeira é verificar se o produto tokenizado é um ativo virtual, nos termos da Lei 14.478/2022, que disciplina a prestação de serviços de ativos virtuais.
Nesse caso, o empreendedor não poderá proceder à tokenização de seu produto ou serviço sem autorização do Banco Central.
A segunda é verificar se o produto ou serviço tokenizado não se enquadra no conceito de valor mobiliário, visto que nesse caso só poderá ser ofertado publicamente mediante prévia autorização da Comissão de Valores Mobiliários.
A terceira é que no caso da tokenização de bens imóveis, a chamada tokenização imobiliária da qual falamos na coluna passada, será imprescindível verificar se houve uma conexão jurídica efetiva entre os tokens e o sistema de registro vigente, de modo a garantir aos adquirentes dos tokens de que estão de fato adquirindo direitos imobiliários, e não “meros contratos de gaveta registrados na blockchain.”
Conforme você deve imaginar, não é nada fácil encontrar uma assessoria jurídica capaz de fornecer auxílio em áreas que abrangem o sistema financeiro e de valores mobiliários, o direito imobiliário, bem como o conhecimento da tecnologia em si, isto é, que saiba o que são smartcontracts, blockchain, tokens, dentre outros conceitos.
Mais do que isso, em muitos casos, o advogado deverá ser capaz de propor alterações na estrutura tecnológica do projeto, ou mais especificamente nos smartcontracts, de modo a adequá-lo às exigências regulatórias, o que denota o caráter interdisciplinar presente na assessoria jurídica da quarta revolução industrial.
Em casos de ofertas privadas de valores mobiliários, a assessoria jurídica deverá ainda trabalhar juntamente com o departamento de marketing, evitando a adequação dessas ofertas aos critérios aplicáveis às ofertas públicas, lembrando que de acordo com o parecer nº 32 da Comissão de Valores Mobiliários é possível a realização de ofertas privadas mesmo com uso da internet.
Em suma, uma realidade tecnológica disruptiva exige um assessoramento jurídico disruptivo, capaz não apenas de repetir Leis ou regulamentos, mas de trabalhar juntamente com o empreendedor na construção da realidade do futuro.
Fernando Lopes e Marcela Zorzo são criadores do primeiro escritório de advocacia do Brasil especializado em Direito para processos de tokenização e para a web3.